Candelária tem boêmios
Que Gostam de poesia.
*Luiz Gonzaga Cortez.
No bairro de Candelária, zona sul
de Natal, há dezenas de bares e botecos, lanchonetes e mercearias para todos os
gostos e preferências dos seus moradores. Intensa vida noturna. Diversos
boêmios e tipos folclóricos gravitam e/ou curtem o conjunto construído em 1975.
Há bares que funcionam em antigas casas, perto de pracinhas e fundos de
quintais, outros se localizam na principal avenida da capital, a Prudente de
Morais, que fecham as portas quando se retira o último freguês. Existem bares
apropriados para uma conversa amena, troca de idéias e realização de negócios,
assim como há locais onde o barulho impera por causa das possantes caixas de
som que poluem o ambiente.
O bar da zoada, como é mais
conhecido um dos locais mais populares entre os apreciadores de cervejas e
cachaças, tem barulho, mas se conversa numa boa. A zoada é proveniente da
gritaria peculiar a alguns boêmios seridoenses. Fica no chamado “triângulo das
bermudas”, numa área que compreende a Avenida da Integração, Prudente de Morais
e ruas Raposo Câmara e Cruz e Souza. Há outros “triângulos” etílicos no bairro,
mas o Bar de Neco é conhecido pelos “altos decibéis” do vozerio dos caicoenses
que baixam ali. No “triângulo das bermudas” estão o Bar de Neco, de “seo”
Chico, de Niel (Bar São Tomé), Bar da Tesoura, Bar da Saideira, da
expulsadeira, do violão e outros mais, além dos churrasquinhos. Como em quase
todos os bares, ali também tem mentirosos e fofoqueiros contumazes. Mas tem figuras meio excêntricas, como o
capitão de longo curso conhecido Sr. Guedes. E não é que ele gostaria de ser um vampiro,
dormir em cemitérios! Mas isso é outra história.
Como qualquer bar brasileiro, as
conversas giram sobre todos os assuntos e problemas possíveis e imaginários, os
temas abordados podem mudar em questão de segundos e as fofocas sobre a vida
alheia, política e futebol dominam as preferências. Não escapa ninguém. Os
boateiros inveterados gostam de falar de quem está grávida (sem estar), de quem
está fumando maconha ou traficando (sem procedências), de quem faliu, dos
cornos, dos papudinhos em geral e dos que estão devendo nos bares. Assim como
começa, essas conversas terminam sem nenhuma conclusão, sem brigas. Tudo numa
boa, às vezes.
O conhecido bar do barulho
cordial, o de Neco, se fala alto os principais temas do noticiário da mídia do
dia. Quem está fora do fuzuê verbal, à primeira vista, pensa que o pau vai
baixar, mas o dono, Neco, fica olhando e sorrindo marotamente. “È assim mesmo,
já estou acostumado”, costuma dizer.
Não podemos esquecer os
cordelistas, poetas e contadores de histórias de vários matizes. Antonio Morais
da Silva, quase nonagenário, natural de Caicó, freqüenta o Bar da Tesoura (
nome já diz tudo) e Antonio Severino Filho, paraibano, baixa no Bar de Chico. O
contador de histórias fantásticas Hermany Dantas, Toinho das Bolsas e Cadinha
são figuras do pedaço. Cadinha, vixe Maria, também merece uma crônica. Depois
eu conto. O grande perigo é você cair numa armadilha dos maledicentes do eixo
da maledicência. Uma advertência: os maledicentes são minoritários no grupo da
“tesoura”.
Antonio Severino quando está
inspirado, sai do trivial. Indagado sobre quem era, ele respondeu: “Sou uma
pessoa que adora uma caninha/para saciar os meus desejos/ seja Pitu, Caranguejo/Cinqüenta
e Um ou Rocinha/Começo de manhãzinha/vou até ao entardecer/bebendo para
esquecer/sem nenhuma alacridade/durmo e sonho com a eternidade/mas sem pensar
em morrer”. “Muito bem, poeta! Tome cinco”, grita um parceiro de birita. Um
detalhe: Antonio repete muito, nos seus versos improvisados, o nome do planeta
Saturno.
No bar da Tesoura, a clientela é
da 3ª idade, mas se joga baralho, se ouve Hortêncio Nóbrega cantar e tocar
violão. Os caicoenses gostam muito de futebol. Antonio Morais da Silva fez uma
trova envolvendo um jogo entre o Caicó Esporte Clube e o Atlético Clube Corinthians,
intitulada A Raposa e o Galo. O mote: A raposa comeu o galo sem tirar nenhuma
pena. Glosa: Pegamos pelo gargalo/em pleno Avelinão/ sem dó e sem compaixão/ a
raposa comeu o galo./Aproveitando o embalo/naquela tarde serena/com
tranqüilidade plena/já no começo do ano/o galo entrou pelo cano/sem tirar
nenhuma pena”.
Candelária tem outros
versejadores, como Sr. Massena (falecido), Bonifácio Soares (está no
“estaleiro”, isto é, em tratamento de saúde), José Saldanha (falecido) André Batista (94 anos, doente), José Rego e
Manuel Azevedo, vulgo Mané da Retreta, autor do “Cordel da Cachaça”, um misto
de professor, músico e poeta, natural de Santana do Matos/RN.
*Luiz Gonzaga Cortez
Bar de Chico: João Sapateiro e o dono do bar. Atrás, o finado Albano. Data:2011.
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