domingo, 28 de setembro de 2014
DUPLA
PERSONALIDADE
Eu gosto de você e de você também
E nunca sei quem é quem nessa longa história.
Se as duas são só uma ou delírios de alguém
Que por descuido faz trapaças na memória.
Se me amam? Sim, sim, mas duvido que saibam,
Pensam que estou inteiro enquanto me reparto
Em três, em dez, em mil, nos tantos quantos caibam
Nas paredes do bar, nas garrafas do quarto.
Louco seguir assim, sabendo sem saber
Se sonhos são reais ou real é descrer,
Vivendo pela espada e morrendo na cruz.
Tomara, a noite entenda os caprichos da luz,
Conosco e mais vocês em madrugadas nuas,
E nos deixe matar nossas sedes nas suas.
sábado, 16 de agosto de 2014
UMA CERVEJA NO INFERNO
CONTO EM
VERSO NO ESTILO REALISTA MENTIROSO
Errada
noite,
o cara sai
de casa
com a melhor
intenção
de beber um
puro malte
no lugar de
sempre.
A rua
interditada,
no entanto,
o faz descer
no lugar errado,
uma bodega
bonita,
pomposa,
chique,
cheia de
mentes vazias,
entretanto
felizes,
gritando:
- Gooool!
- Goooooool!
- Gooooooooooool!
O garçom,
concentrado na TV
de sei lá
quantas mil polegadas,
serve-lhe um
chopp
que não foi
pedido,
e com
colarinho.
- Três
centímetros, diz ele,
apresentando
indicador,
anelar e médio
como base de
mira
para o olho
direito
vidrado na tulipa.
Para não ser
grosseiro,
o inocente
bebe,
corneando o
velho bar,
o velho
uísque.
Pior:
ele sente
prazer
naquela
atitude
abjeta.
Espuma
viscosa,
líquido
suave,
copo cheio
de curvas
sinuosas.
Trai uma!
Vira! Vira!
Vira!
Trai duas!
Vira! Vira!
Vira!
Trai três!
Virou!
Até que a
coisa o enche
e o ameaça
de ressaca
apontando-lhe
contra as
paredes da garganta
um gosto de
guarda-chuva
no final do
gole.
O sujeito se
levanta irritado,
pois não
funciona sob pressão,
mija a
primeira,
mija a
segunda,
mija a
terceira
e percebe
que traição
é bala trocada.
Sabe a
lombra do pau e do machado?
Pois é,
O risco de
um...
O risco do
outro...
Coisa e tal.
Traído uma...
Vira? Vira?
Vira?
Traído duas...
Vira; vira; vira.
Traído três...
Virou.
Sem contar a
humilhante
insurgência
de arrotos
e conturbações
intestinais.
Imagina só,
boêmio
inveterado,
passado na
tampa da garrafa,
fodido e malpago
por uma
bebidazinha
fermentada
que não
amadureceu
porque nunca
tinha visto
um carvalho de
verdade
pela frente.
Envergonhado,
caído na
real,
o indivíduo
junta os
cacos de dignidade
que lhe
restam
e chama o
garçom
cujo nome
desconhece.
Bar novo,
bebida nova,
sabe como é.
- Amigo,
dose dupla de Glenfiddich, por favor.
- Que diabo
é isso? O senhor me respeite ou chamo o Gordinho da Mercatto.
- Tudo bem,
tudo bem. Rainha dupla, pode ser?
- Evidentemente.
O cara bebe
devagar
esfregando a
língua grossa
no céu da
boca,
até lembrar
o mínimo aceitável
aquele gosto
de cevada
dos
seiscentos papafigos.
Parece decifrar
o que
Rimbaud quis dizer
com a malcontada
de “Uma
cerveja no inferno”.
Sofreu pra
cacete
e deixou
de graça
a lição dos
seus cornos:
boêmio de
verdade
deve ser
fiel aos seus bares
e ao que
bebe,
mesmo diante
das maiores tentações
ou meros
imprevistos.
Contudo, se
é de
vez em
quando
trair as
convicções etílicas,
no copo,
na garrafa
ou no
caneco,
para
desanuviar,
traia,
desde que o
faça com algo
que esfole o
esôfago,
mas não o
desmoralize
nem o mate
de dor de cabeça.
- Outra
dupla de Rainha,
pela
caridade.