domingo, 22 de dezembro de 2013

O pior inimigo é o falso amigo.


DANUZA LEÃO 

J Á QUE É inevitável ter inimigos, a coisa melhor do mundo é ter um de verdade: que te odeie com lealdade e sinceridade -sem nenhum fingimento.
Ele é capaz de falar mal de você em público sem ter, em momento algum, medo de que repitam o que ele disse. E também pode te dar um tiro ou uma facada, mas sem nunca te enganar -sempre numa boa.
Não é, positivamente, do tipo que diz "vou te contar uma coisa, mas não repita, fica só entre nós". Dele você pode esperar sempre o pior: que impeça que aquele negócio que estava planejando havia anos se realize, que diga àquela gata que está povoando seus sonhos que você é um cafajeste, que o dinheiro que você esbanja vem do tráfico de drogas -ou coisas ainda piores. Sabendo do que ele é capaz, você pode sempre se defender -o que é mais fácil do que lidar com a hipocrisia.
Como guerra é guerra, nada que ele faça de ruim poderá surpreender -essa é a vantagem de ter um inimigo leal. Quando se encontram num restaurante, você já sabe que deve ficar alerta e se sentar de costas para a parede, como fazem os malandros.
Ele é capaz de seduzir sua filha menor, de contratar alguém para roubar seus documentos e de jurar sobre a Bíblia sagrada que viu você subornando um político. Tudo faz parte, e quanto mais coisas ele fizer contra você, mais você aprende a se defender; como se aprende com um inimigo assim -ah, como se aprende.
Perigosos mesmo são os pseudo-amigos, aqueles que te tratam bem e que volta e meia fazem um comentário sobre você -maldoso e irônico, mas não tão maldoso a ponto de chocar-, afinal, é apenas uma brincadeira, será que você perdeu o humor? E aquele que passou anos construindo a imagem do bom caráter de carteirinha pode fazer você levar a vida inteira na dúvida, sem ter coragem de encarar a verdade: que se trata apenas de um crápula.
A tal da imagem ilude muita gente, que durante anos pensa que o personagem é defensor das boas causas, dos fracos e oprimidos, e sempre politicamente correto -faz parte do modelo, claro. Incapaz de encarar uma briga de frente, ele não consegue nem ter inimigos, pois, como ser humano, não passa de uma fraude -e de um covarde.
Está sempre atrás de alguma vantagem -alguma pequena vantagem- e frequentemente comete traições -pequenas traições que dificilmente poderão ser comprovadas. E se alguém ousar acusá-lo de alguma coisa, sempre haverá alguém para defendê-lo -afinal, de uma pessoa com um passado tão correto, só um louco ousaria dizer alguma coisa.
Suas maldades e falhas de caráter nunca são grandiosas, porque nada nele é grandioso. Suas maldades são pequenas, porque tudo o que ele faz é pequeno; pequeno como sua pessoa, como sua alma. Mas, às vezes, se tem que conviver com gente assim -como fazer?
Se for seu caso, não faça nenhum tipo de concessão. Cometa um assassinato, internamente, e esqueça de que ele existe -mas esqueça mesmo. Mas atenção: é importante que ele saiba que você sabe perfeitamente quem ele é.
Fique cego quando passar por ele, e se alguém mencionar seu nome, não ouça; esqueça das mesquinharias de que é capaz um pobre ser humano.
E valorize seus inimigos, os bons. Eles estão sempre dispostos a liquidar com você, mas sempre com a maior lealdade.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Atenção boêmios e foliões ! O Carnaval se aproxima e o Governo vai ajudar blocos.

Fundação José Augusto debate Prêmio Carnaval 2014

Publicação: 04 de Dezembro de 2013 às 00:00TRIBUNA DO NORTE

A Fundação José Augusto realiza nesta quarta-feira, às 9h, encontro com carnavalescos e representantes de agremiações e blocos para apresentar o edital Prêmio Carnaval 2014 e incentivar inscrições. O Governo do RN irá destinar R$ 500 mil para apoiar eventos e ações durante os festejos de momo do próximo ano em todo o Estado nas categorias festa, escolas de samba, blocos, bailes e tribos de índios. Os recursos são oriundos do Fundo Estadual de Cultura.

A reunião, que acontece no Teatro de Cultura Popular (TCP), também servirá para receber sugestões para que o edital possa atender a demanda de quem faz o Carnaval no Rio Grande do Norte. Os recursos serão divididos: 50% dos premiados serão da Região Metropolitana de Natal e a outra metade dos demais municípios do Estado. O objetivo da FJA é ampliar a participação registrada em 2012, quando foram inscritos 183 projetos – sendo 83 contemplados. Informações através do telefone 3232-5320.

sábado, 30 de novembro de 2013

Provence, o berço do vinho francês.

Carlos Alberto dos Santos
Professor Visitante Sênior
Instituto Mercosul de Estudos Avançados – UNILA

Publicado no O Jornal de Hoje, 29.11.2013, p.2

           
            A história do vinho francês vem lá do ano 600 a.C., quando habitantes da antiga Foceia, atualmente Foça, chegaram à região onde hoje situa-se Marselha e começaram a cultivar uvas. As videiras se espalharam pela França e a viticultura passou a ser uma marca desse país. Praticamente tudo que se conhece hoje em torno de enologia tem sua origem na França, como o termo terroir, tão propagado entre os especialistas do ramo, e a prática do controle da origem do vinho, que geralmente consta nas garrafas através das siglas AOC (Appellation d’Origine Contrôlée) ou DOC (Denominação de Origem Controlada).
            A consequência dessa prática é que diferente do que ocorre no Brasil e em outros países, onde o vinho é conhecido pela cepagem, ou seja, pela uva da qual ele foi feito, ou pela assemblage, a mistura de cepagens, na França, com raras exceções o vinho é conhecido apenas pela região onde foi produzido. Por exemplo, o hoje famoso Châteauneuf-du-Pape, vinho tinto com predominância da uva grenache, deve seu nome ao vilarejo onde é produzido, nas proximidades de Avignon, também conhecida como a cidade dos papas, daí a denominação do vilarejo.
            Conheço esta região do Sul da França desde 1989, quando morei 16 meses em Grenoble. Em 1990, visitei a casa onde morou Van Gogh, em Arles e apreciei as paisagens por ele eternizadas. Naquela época praticamente só consumia vinhos tintos e brancos da Borgonha. Nunca me acostumei com a agressão do tanino presente nos apreciados vinhos de Bourdeaux. Com o crescente revigoramento dos vinhos rosados (rosé em francês, pronunciado rosê) nos últimos anos, passei a consumi-los com maior frequência. Degustei varietais (vinho feito de uma única uva) e assemblagens de inúmeros produtores argentinos, brasileiros, chilenos, franceses e portugueses, para confirmar o que se diz na França: não há quem supere a qualidade do rosê produzido na Provence.
            Resolvi ir à fonte. Tenho amigos em Lorgues, uma cidadezinha provençal rodeada de vinícolas, e para lá parti no início de novembro. Em busca de dados estatísticos e informações sobre a produção do vinho rosê, descobri que os números impressionam na mesma proporção em que extasiam a paisagem daquela bela região. São aproximadamente 400 propriedades, cada uma com 50 hectares em média, produzindo anualmente algo em torno de 150 milhões de garrafas de vinho, 88% rosê, 9% tinto e 3% branco. Confirma-se, portanto, que a Provence é a terra do rosê, responsável por 40% da produção francesa desse vinho e 8% da produção mundial. Nos últimos 20 anos, mais do que dobrou o consumo desse vinho na França. De 10% em 1990, o percentual de vinho rosê consumido na França passou para os atuais 25%.
            Há algumas décadas, quando eu era completamente ignorante a respeito da produção de vinhos, pensava que existiam uvas rosadas, ou que o vinho rosê era uma mistura de vinhos tintos e brancos. Na verdade, as mesmas uvas que resultam em vinho tinto, podem resultar em vinho rosê. A diferença básica entre um e outro, caracterizada externamente pela cor, resulta do tempo durante a vinificação em que a polpa da uva fica em contato com a pele, onde são encontrados os pigmentos coloridos. Quanto mais tempo, mais escura é a cor do vinho, passando gradualmente do rosê claro ao tinto profundo.

            A qualidade de um vinho depende de muitos fatores, a começar pelo tipo da uva, pelo terreno e pelo clima em que a videira é plantada e pelo processo de vinificação. Os bons rosês da Provence são geralmente assemblagens com predominância de grenache, uma uva de origem espanhola e que resulta em vinhos jovens e elegantemente frutados. São vinhos com amplas possibilidades de harmonização. De frutos do mar a carnes grelhadas não muito picantes, tudo se harmoniza com um bom rosê da Provence.      

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Ormuz Simonetti.

REMINISCÊNCIAS DA RUA PRINCESA ISABEL – A SAGA DE FLORIANO - EL BODEGUERO – V

Avenida Deodoro da Fonseca - Internet

...Na década de 60 foram surgindo outros frequentadores, na sua maioria moradores da região e adjacências, além de “convidados”, como era o meu caso, pois naquela época morava na Avenida Deodoro.  O meu ingresso na turma foi através de um amigo de infância, Thales de Abreu Saraiva que ao se mudar da Rua Felipe Camarão para a Rua Princesa Isabel levou-me para a nova turma. Sua casa ficava em frente à residência dos irmãos Jahyr e Jurandyr Navarro, no final da rua próximo a ladeira do Baldo.    

Cito alguns frequentadores e suas estórias segundo as lembranças de José Augusto de Freitas - Zezé: Luis de França, apelidado de "Luis, o Bucaneiro". Certa vez Zezé fez um jornalzinho, com a caricatura dele, vestido de pirata, com perna de pau, papagaio e tudo. Havia os irmãos Bezerrinha, Dilson, Kessinho e Baiá. Tinha, ainda, o Rapa-coco, um senhor meio velho bem alto e magro; Abdênego, sargento do Exército, reformado; Heródoto, um cara atarracado, de porte atlético e de estatura elevada que quando enchia a cara ficava zanzando pela bodega e esfregando sua enorme pança no balcão. Numa dessas idas e vindas, desequilibrou-se e, acidentalmente, quebrou a quartinha da bodega. Um grande estrondo seguiu-se de um verdadeiro dilúvio, já que a enorme quartinha comportava quase 20 litros d’água. Cacos de barro se esparramaram sobre o passeio. Após um silêncio sepulcral dos que estavam presentes e o despertar de alguns pinguços adormecidos, todos os olhos voltaram-se para o culpado. Floriano que havia se ausentado da bodega pela porta que dava acesso a sua casa, ao ouvir o estrondo retorna, e atônito depara-se com o cenário avassalador. Depois de refeito olha para Heródoto e com voz paternal,  diz: “Heródoto, o que você fez? Você quebrou a quartinha do povo! A quartinha que matava a sede dos amigos! Você não fez mal a mim Heródoto; você prejudicou o povo que bebia água dessa quartinha!”...

                                          Foto internet

Heródoto, ainda zonzo e sem entender direito o que se passava ou o que tinha feito, com um ar de pura inocência, respondeu, com sua voz pausada e pastosa:
      - Ao povo, nobre amigo? Eu fiz mal ao povo? Quando ele se dirigia a Floriano tratava-o de "nobre amigo" (...) Envergonhado atira seu corpanzil totalmente sem domínio sobre umas caixas de cerveja e se entrega aos seus devaneios etílicos.  

Frequentavam ainda a bodega de Floriano: Vavá Pombo, irmão do exímio violonista o saudoso Efrain, que faleceu prematuramente após uma crise de apendicite; e também o não menos famoso Lelé, um dos maiores trombonista de nossa terra, morto em um acidente que ficou conhecido como a Tragédia do Baldo.
         
       Todos a seu tempo devem um pouco de sua formação na universidade da vida, aos ensinamentos aprendidos nos bancos feitos com caixas de cerveja e tamboretes da bodega de Floriano. Vavá Pombo grande craque da bola, tendo atuado como ponta direita do América, tinha fama de mentiroso e contador de histórias. De sua vez, irmão de saudoso Demóstenes, ídolo do Botafogo do Rio de Janeiro, tendo, inclusive, sido lembrado para compor a seleção brasileira da época. Era uma abençoada família de versáteis artistas.


                                   Botafogo 1950 - F.internet

No livro de depoimentos “Amigos do Tirol”, lançado em 2010, Mozinho um dos autores, narra uma estória que eu ouvi na bodega de Floriano e a ele transmiti há muitos anos atrás: contava Vavá que certa vez estava tão bêbado, mais tão bêbado, que jogou uma pedra no chão e errou. De outra feita, disse que após uma chuva torrencial notou, em cima um abacateiro que ficava no quintal de sua casa, uma manha escura pendurada em um dos galhos. Aproximou-se e cauteloso começou a cutucar a tal mancha com uma vara de bambu. Eis que em dado momento ouve um violento estrondo e ele cai pra trás. Refeito do susto surpreendeu-se ao perceber que tinha conseguido liberar um trovão que durante a chuva, acidentalmente ficara preso nos galhos do abacateiro.



         Havia também os que “assinavam ponto” regularmente como Ariosvaldo, que se dizia ex-combatente da FEB. Quando ele chegava ou passava, a meninada traquina gritava: "Chega-lhe a bufa" e ele saia esculhambando papagaios e periquitos... Floriano contava que quando o navio que transportava os combatentes para a Itália alcançou a saída da barra, Ariosvaldo pulou (heroicamente) no mar, retornou para casa e lá se escondeu até o final da guerra.

Raimundo, também conhecido como “Raymundo de La Cruz”, era um cara amarelo, de olhos acinzentados como de uma cobra. Floriano dizia que ele era um cara perigoso e que já havia matadogente. Certa vez, Carlinhos “barbeiro” disse uma brincadeira que Raimundo pensou que era com ele e fez o seguinte comentário: "formiga quando quer se perder cria asa, né Floriano"?  Carlinhos conhecedor da fama do colocutor desconversou e sem demora, deu no pé temeroso da observação.

F. internet


Numa determinada época, a orquestra de Ivanildo Sax de Ouro, veio fazer uma temporada no América F.C. e acabou ficando definitivamente em Natal. Os músicos passaram a frequentar a bodega de Floriano. Os mais assíduos, que logo fizeram amizade coma a turma da rua, foram: Odilon (violonista), Marçal, um meio japonês que era pianista e metido a filósofo; Saci, um negrinho alto e magricela, que entornava todas e tinha os olhos vermelhos e esbugalhados. Era um virtuoso do contrabaixo. Certa vez ele tocando no America, totalmente embriagado, caiu e continuou no chão, tocando o instrumento até o término da música.


O próprio Ivanildo também frequentava a bodega de vez em quando para bater um papo com os amigos e admiradores. Havia ainda uma figura exótica que todo mês chegava por lá: a professora Julieta. Ela parecia uma figura saída de um conto de fadas. Vestia uma roupa estilizada, de seda pura, com um coque no cabelo envolto em um lenço também de seda. Usava marrafas, brincos extravagantes e um batom bem vermelho tipo “boca louca”, nos grossos lábios. Lembrava uma velha cigana. Notava-se que sua idade já era bem avançada. Era aposentada e cuidava ao que parecia de alguns meninos, possivelmente seus sobrinhos. Ela comprava ninharias de confeito, doces cristalizados (mariola), raiva (bolinhos de goma), para levar pra eles. 
F. internet

De pé no balcão ordenava: "Floriano bote dois mil réis de raivas.” Floriano em obediência as ordens daquela extravagante dama, logo pegava em baixo do cepo de madeira um papel de embrulho ou um pedaço de jornal e com dedos ágeis começava a enrolar o pedido da madame (...)
Fonte: ormuzsimonetti.blogspot.com.br

REMINISCÊNCIAS DA RUA PRINCESA ISABEL – A SAGA DE FLORIANO - EL BODEGUERO – IV


...Em uma prateleira suspensa acima do balcão, pendurados com arame, podiam ser vistos outros itens tais como: peças de corda de agave, rodinhas de madeira para carro de brinquedo, baladeiras, tranças com cabeças de alho e de cebolas, vassouras de palha de carnaúba, canecos de alumínio e ágata, colheres de pau, raladores do coco, urupemas, espanadores, pinico, o velho conhecido urinol nas versões alumínio e ágata, colheres de pedreiro, lamparinas feitas de lata, pavios para candeeiros e lampiões, etc. No canto da parede, vassouras de piaçava – industrializadas - e cabos feitos com vara de marmeleiro, complemento que acompanhavam as vassouras de palha de carnaúba. Em uma gaveta abaixo da mesa do centro o dinheiro graúdo ficava dentro de uma caixa de charutos. O de menor valor, separado para troco, misturava-se com caixas de fósforos da marca Olho, cigarros em retalho e os famosos charutos Cesário. Por ser mais seguro, colocava também naquela gaveta pólvora negra da marca Elefante e espoletas guarani, vendidas para espingarda de soca. 

Em um “fiteiro”, bem a mostra numa das prateleiras de fundo, guardava produtos de aviamento tais como: carretéis de linhas branca e coloridas, lixa para unha, fecho ecler (zíper), colchetes, botões de diversas cores e tamanhos, alfinetes, agulhas para costura e agulhas de palombá – usadas para coser sacos de cereais – dedais, etc. Em cima da mesa arrumados uns sobre os outros, marços de cigarros industrializados como o Astoria, Gaivota, Continental, Hollywood e, ainda, os fabricados no Ceará, Asa e Iolanda. Vendia também para uma clientela seleta fumo de rolo e rapé (torrado) vindo direto de Arapiraca, como também o papel Colomy, utilizado na confecção dos cigarros também conhecidos como “brejeiros”. Naquele bazar, tinha de um tudo. Se o cliente procurasse e tivesse paciência podia encontrar até mesmo o famoso freio pra gato.

Dizem que a velha balança da bodega foi presenteada por sua mãe quando ele ainda era criança em uma de suas viagens a Macaíba. A peça foi adquirida de um artesão na feira domingueira daquela cidade.  Invocando o espírito altaneiro de Fabrício Pedroza, expoente máximo do comércio em toda região, lhe entrega a peça com a seguinte recomendação: ”vai Floriano, e seja um grande comerciante na vida!”

Ao lado do balcão, encostada na parede, uma velha quartinha de barro coberta por com uma caneca de alumínio atendia os pinguços mais sedentos, principalmente nas primeiras horas da manhã. A colocação estratégica da quartinha era beneficiada por uma brisa fraca, porém constante, que entrava pela porta voltada para o nascente. Em cima de um tamborete, uma velha lamparina a querosene, permanentemente acesa para o acendimento de cigarros. Recusava-se peremptoriamente a emprestar caixa de fósforos para acender cigarros dos fregueses. Em sua concepção, um gasto desnecessário, além do risco de perdê-la para os clientes mais “esquecidos”.
         

         Próximo às caixas de cervejas, empilhadas uma sobre as outras, uma lata de querosene Esso Jacaré e vários litros e garrafas com barbante amarrado no gargalo para facilitar o transporte e o contato com a mesma. O funil era colocado na primeira da fila e à medida que fossem enchendo, ia passando para as outras. Após o envasamento eram lacradas com tocos de sabugos de milho. Esse serviço era supervisionado por Floriano, porém, executado com a ajuda de alguns dos pinguços de plantão, que ao final do dia, eram regiamente pagos com um copo bem cheio da “prata da casa”.

Em cima do balcão um balaio de pão coberto com um pano feito de saco de açúcar, diariamente abastecido pela manhã e a tarde por "Mané do Pão" trazidos diretamente da padaria Rio Branco de seu Leonel. Pães tipo crioulo, francês, carteira e doce eram rapidamente vendidos as donas de casa da redondeza.
         
      No centro do balcão papeis para embrulhos misturados com pedaços de jornais, usados na embalagem dos produtos, descalçavam sob um enegrecido cepo de madeira. Para essa tarefa contava com a habilidade das mãos de Floriano que após acondicionar o produto vendido no centro do papel, começava a torcê-lo de baixo para cima executando uma série de dobras, uma sobre a outra, até transformar o embrulho em uma embalagem hermeticamente fechada. Coisas daquela época... Diferentemente do hoje que temos um saquinho plástico para tudo, inclusive, contribuindo para a poluição do planeta.
        
       Em baixo do balcão, suspensa em uma prateleira, uma bacia com água usada na lavagem dos copos de pinga. Chacoalhava o copo dentro da bacia e em seguinte o pendurava num secador de madeira preso na parede. Pouco tempo depois o copo já estava “esterilizado” e pronto para ser utilizado novamente. A água da bacia, naturalmente, só era trocada ao final do dia.

Sentados em velhos tamboretes ou em caixas vazias de cerveja, os “pinguços” mais assíduos. Entre uma lapada e outra, inevitavelmente precedida de um sonoro estalo de língua, degustavam a marvada. Como parte do ritual, após sorver aquele néctar, grossa cuspidela era atirada naquele chão de antepassados companheiros de garrafa, já encaminhados pelo Altíssimo, pra o andar de cima. Contavam suas aventuras, recheadas de devaneios, muitas vezes produto de suas mentes já corroídas pelo álcool.
        
       O anfitrião debruçado por cima do balcão com o queixo apoiado em um dos braços, com olhar sonolento e distante, escutava as mesmas estórias fantasiosas, somente despertado pela chegada abrupta de algum cliente. O pinguço alheio a tudo e a todos, continuava sua narrativa muitas vezes sem que a presença do cliente fosse notada. 

     Vez por outra também eram interrompidos pelos gritos estridentes de Minervina, esposa de Floriano, que vivia com cara de poucos amigos, a procura do papagaio fujão. Louro! Louro! Cadê você louro? Às vezes o papagaio fugia e se empoleirava na porta de duas folhas que dividia a casa da bodega. Tanto Floriano como seus asseclas, mesmo sabendo da localização da ave fujona deixavam que Minervina continuasse a procura que certamente terminava em boas risadas quando a ave finalmente era encontrada. Dessa forma vingavam-se da matrona, que vez por outra, estando ela de maus bofes, invadia a bodega e esculhambava todo mundo.
     
   
      Quando os pinguços não tinham dinheiro, Floriano não se fazia de rogado: sacava debaixo do balcão um litro branco lacrado por uma rolha de sabugo de milho, também conhecida como cachaça mole, e oferecia ao tradicional freguês, generosos copos bem cheios da “prata da casa”. Depois, sempre dava um jeitinho de ser ressarcido da generosidade com algum serviço de pouca monta (...).
        


domingo, 3 de novembro de 2013

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

REMINISCÊNCIAS DA RUA PRINCESA ISABEL – A SAGA DE FLORIANO - EL BODEGUERO – III



...Aquele lado do balcão era o seu mundo. Desde tenra idade já frequentava esse espaço ajudando Dona Sofia, sua genitora e primeira proprietária da bodega, no atendimento a clientela. Não precisava de grande locomoção no seu labor diário, visto ser a bodega o prolongamento de sua residência que tinha frente voltada para a Rua Apodi n° 160.

Impávido atrás do balcão e pronto a atender aos pedidos dos mais variados e exigentes clientes, estava Floriano. Conheci-o com aspecto idoso no final da década de 60, muito embora ainda não tivesse completado 60 anos, visto ser nascido em 1910. Estatura mediana, tez muito alva em contraste com os óculos extremamente escuros que raramente era retirado da face. 

Floriano vestia sempre uma camisa branca, tipo “slack”, que cobria, entretanto não escondia uma preponderante barriga que lhe dava uma aparência patriarcal. No bolso da camisa, presa pela haste, uma caneta tinteiro utilizada para registrar o “fiado”, em um desgastado caderno de arame, velho e sebento, mas, que somente ele sabia decifrar suas anotações. Para localizar o cliente após as compras, metia o indicador por cima da língua e com movimentos cadenciados passava, página a página, até localizar o nome do indivíduo, na primeira linha, num verdadeiro ritual diário. A anotação era feita na presença do cliente com o valor da mercadoria e o dia da aquisição. O pagamento do “fiado”, ou “conta na caderneta” era prometido para todo final de cada mês. Caso isso não acontecesse, Floriano dava um jeito de mandar um recado ao devedor. Se esse não surtisse efeito, as compras ficavam suspensas até a total liquidação do débito ou uma possível negociação que exigia inclusive a presença física do devedor. Dona Anita, proprietária da Pensão Caicó era uma das suas habituais freguesas. Sempre que se aproximava o final do mês e a dispensa de mantimentos ficava mais vazia, era na bodega de Floriano que ia em busca de socorro.  

De vez em quando, o bodegueiro sacava do bolso um lenço encardido que mais parecia uma toalha de rosto e levantando um pouco os óculos enxugava os olhos. Sofria com a claridade. Um de seus olhos, além de não enxergar atacado por catarata, lacrimejava em excesso que o obrigava a essas constantes intervenções. O mesmo lenço também utilizava para enxugar o lábio inferior em constante salivação.

Compunha ainda sua indumentária calça preta protegida por um avental amarelado e desgastado pelo uso, preso as costas por duas tiras de pano terminadas em um nó. Uma escura mancha horizontal marcava no avental exatamente a altura do balcão, devido ao constante atrito com o mesmo, no vai e vem do atendimento diário. Nos pés, surrados chinelos de rabicho, que não raro permaneciam cobertos com um pó branco, proveniente de restos de farinha de mandioca, escapados da concha de alumínio usada para medir cereais. Estes, dispostos em latões ou sacos ficavam lado a lado no fundo da venda. O percurso entre os latões e a balança na pesagem dos produtos, deixava escapar migalhas do que estava sendo pesado. Ao fim do dia milho, feijão, arroz e farinha se misturavam num alinhamento que mais lembrava um formigueiro em atividade.

A tal balança, autêntica peça de museu, compunha-se de dois pratos de cobre sobre uma armação de ferro. De um lado era colocado o peso pretendido e do outro a mercadoria a ser adquirida. Conforme fosse, ia-se adicionando ou retirando o produto, até atingir o peso desejado.  Descansando ao lado da balança, cuidadosamente arrumadas em uma caixinha de madeira, peças de ferro de forma cilíndrica e padronizadas de 1 a 5 quilos, além de outras de tamanho menor e com forma arredondada usadas na pesagem das “quartas”, medida com 250 gramas, muito utilizada na pesagem de fumo de rolo, brochas para sapateiro, pregos, chumbo par espingarda e algumas especiarias, completava o artefato.
         

         Todo o recinto por trás do balcão era tomado por prateleiras que partindo do piso projetavam-se até o teto. Em arrumação pouco ortodoxa, eram expostos produtos de todo tipo. Latas de biscoitos sortido, manteiga papagaio, pacotes de macarrão Jandaia, goiabada cascão, bananada e marmelada da marca Peixe, leite Ninho e aveia Quaker misturavam-se a soda cáustica, pregos em quilo, brochas para sapateiro, óleo Benedito e Sol levante, sabão em barra, cera Parquetina, gordura de coco Cristal, anil Ideal, óleo lustra móveis peroba, sal, açúcar refinado e bruto, rapadura preta fabricada nos engenhos de Ceará-Mirim e as branquinhas, conhecidas como rapadura batida produzidas em Japecanga, cerveja Brahama e Antártica, as únicas existentes na época, guaraná Antártica, Dore, Jade, Leda, Crusch, Grapette e Fratellivita, breu, fósforo marca Olho ainda com a caixa feita com lascas de madeira, palito de dente, manga de chaminé, camisa para lâmpada Coleman e lampião Aladim, marços de vela usadas nas noites em que a Companhia Força e Luz não funcionava, no pagamento de promessas aos santos de devoção ou mesmo nas madrugadas das sextas-feiras evocando a proteção de tranca-ruas e orixás.

As garrafas de aguardente como Pitu, Serra Grande, Murim, Olho d’água, Caranguejo e Chica Boa ficavam enfileiradas na principal prateleira para a apreciação e o desejo dos clientes. Botijões de vinho Raposa e Sangue de Boi completavam a área reservada a bebidas. Num cantinho bem discreto, se é que naquele ambiente isso fosse possível, podiam-se ver ainda alguns produtos farmacológicos muito utilizados pelas donas de casa no cuidado com a saúde dos filhos: emulsão de Scott, leite de magnésio de Phillips, biotônico Fontoura e finalmente Sanarina, a maravilha do lar.
         

         Numa mesa de centro bolos diversos vendidos por unidade e em talhadas, além de raiva, brote seco e doce, pacotes de bolachas, alfinim, biscoito de polvilho, cocada, sequilho, puxa-puxa, broa de milho, fuba doce ou paçoquinha, cocada de amendoim popularmente chamada de quebra-queixo, soda preta feita com erva doce etc.. Em maior destaque, um confeiteiro/expositor de vidro com oito compartimentos, quatro em baixo e quatro em cima, deixava a mostra à medida que giravam sob os olhares desejosos das crianças, pirulitos kibom, confeitos (balas) de mel, hortelã e sortidos, chicletes de bola ping-pong, torrão, buzi, chocolates sonho de valsa e diamante negro, drops dulcora, chiclete adams, pastilhas de hortelã e outras iguarias para o deleite da garotada. Em outra mesa mais para a esquerda, frutas sazonais e ainda banana prata, naquela época ainda existia a verdadeira, nanica e de leite, laranja Bahia, limão e coco seco, também faziam parte dos itens oferecidos pelo empório...
Fonte: blog de ormuz simonetti.

sábado, 26 de outubro de 2013


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

REMINISCÊNCIAS DA RUA PRINCESA ISABEL – A SAGA DE FLORIANO - EL BODEGUERO – II

Fonte: ormuzsimonetti.blogspot.com

         ...Naquela época, bodegas, vendas e mercearias, eram pontos de encontro de amigos. A bodega de Floriano, como era conhecida, tinha sua localização bastante privilegiada. Próxima do Grande Ponto, na época centro nevrálgico da cidade de Natal, frequentado principalmente por intelectuais, políticos e homens de negócios. O nome Grande Ponto vem desde a época dos bondes. Ali existia um café com esse nome no cruzamento da Av. Rio Branco com a Rua Pedro Soares, que a partir de 1930 passo a se chamar Rua João Pessoa. Anos depois desaparecia o café, porém o cruzamento eternizou-se com o nome Grande Ponto.

Era passagem obrigatória para quem subia a ladeira do Baldo procedente do Alecrim com destino ao bairro da Ribeira e o centro da cidade, como também os passantes advindos dos arrabaldes de Tirol e Petrópolis, que se destinavam ao populoso bairro do Alecrim. 
     
Bodega de Floriano - Foto 2013


    Apesar da sua excelente localização geográfica, havia ainda a figura emblemática de Floriano, que com ares de magistrado, administrava seu comércio por atrás daquele velho balcão, ao tempo que recebia sem distinção, num contínuo ritual de entra e sai, notórios e anônimos, que para ali se dirigiam em busca das mais recentes notícias da cidade e também para beber na fonte do conhecimento e do entretenimento gratuito, de uma boa e divertida conversa, uma vez que o velho Floriano, além de inteligente era especialista em “causos”, herança passada para seu sobrinho Valério Mesquita, que divertiam seus ouvintes, para não se falar na maior de suas qualidades: a de leitor compulsivo.

         Nas lembranças dos veteranos Jurandyr Navarro e Ticiano Duarte, desde a década de 40, costumavam passar por ali para “dois dedos de prosa”: Sebastião Fagundes. Seu pai era proprietário de um açougue em frente a bodega de Floriano; Luiz Rabelo, oficial da policia militar, boêmio, inteligência privilegiada e uma das maiores expresses da poesia potiguar; os irmão Ageu, Orlando e José Garcia, este último muito querido pelos amigos e de temperamento afável. Foi covardemente assassinado por desafetos de seu irmão mais velho Ageu Garcia, que o tocaiaram na Avenida Rio Branco próximo a casa do padre Monte, em plena luz do dia. Os irmãos Juarez e Vladimir Limeira, fanático torcedor do Vasco. Escrevia matérias sobre futebol no jornal religioso “A Ordem”.  Os irmãos José Estanislau e Tarcisio Fonseca, Sebastião e Sílvio Fagundes, Crizanto, Sandoval e Breno Capistrano que moravam na Av Rio Branco. Breno era piloto de avião e após o casamento mudou-se para Cuba onde permaneceu por vários anos. Joldemar, apelidado de “Touro” e também de “Canela de Ferro”. Era um tipo excêntrico, gostos esquisitos e de estomago de aço. Conta-se que gostava de se exibir chupando mangas caídas nos quintais, preferencialmente as mais maduras que ao cair no chão ficavam cheias de bichinhos (pupas). De outra feita, na bodega de Floriano arrebatou de uma só vez e com rapidez impressionante, um punhado de moscas que estavam pousadas sobre migalhas de açúcar em cima do balcão. Após o bote certeiro, mais certeiro ainda foi o local que ele colocou os insetos: dentro da boca e em seguida os engoliu como se fosse algum regalo de nossa culinária; José do Patrocínio, grande professor de português. Vestia-se com sobriedade e agia com austeridade. Quando corrigia alguém por “assassinar a língua pátria”, chamava-o de “analfa”. Morreu provavelmente de cirrose hepática devido ao consumo excessivo de álcool. Durante o governo de Monsenhor Walfredo Gurgel, Jurandyr Navarro então secretário do gabinete civil, conseguiu para o professor um tratamento em Recife, totalmente custeado pelo Estado. Recusou viajar a capital pernambucana vindo a falece meses depois; Clovis Cabana Campos Cortez; Luiz “Senhora”; Rui “Parrudo”; Jeremias, atualmente aposentado do TCE e Josué que foi gerente do Banco do Nordeste em Natal. Mora atualmente no Recife no bairro de Boa Viagem. Editou por muito tempo um pitoresco jornalzinho com o nome de “Gibi Aquático” que era vendido na praia de Boa Viagem. Como diferencial a excentricidade de ser lido, preferencialmente dentro d’água, visto ter suas páginas protegida por um plástico lacrado nas bordas; o próprio Ticiano Duarte, primo de Floriano e os sobrinhos Valério Mesquita e Ivan Maciel; os irmãos Jurandyr e Jahyr Navarro; Roberto Furtado, um dos fundadores do antigo MDB em nosso Estado; José Estanilsau da Fonseca e Tarcísio Fonseca que formou-se engenheiro; Sílvio Fagundes irmão de Sebastião; os irmãos Crizaldo, Crisanto e Crizeldo; Sandoval Capistrano, conhecido boêmio e empresário; os irmãos Geraldo Melo, Assis Melo e outros.

Gibi Aquático 

Naquela época a brincadeira mais preferida entre os jovens eram as peladas realizadas no leito da própria rua, naquele tempo de chão batido. Daí ter surgido o saudoso Goitacás, time formado pela meninada da rua que disputava campeonatos com times da redondeza.

        
                                                        Foto ilustrativa -

        O futebol se constituía numa das paixões de Floriano, principalmente, quando o Vasco da Gama, de Ademir Menezes (o queixada) estava em campo. Lembro-me de tê-lo visto, algumas vezes, sentado ao lado do balcão com ouvido colado no velho rádio Zenith, vibrando pelas vozes memoráveis dos narradores Jorge Cury ou Waldir Amaral, as acirradas disputas do time de seu coração. Quando o Vasco ganhava ficava todo faceiro e brincalhão, zombava dos adversários. Entretanto, se perdia, o humor modificava. Falava pouco e por vezes chegava a fechar a bodega mais cedo.
             

                                                     Foto internet

       Naquele ambiente pululava entre outras presenças, que por certo serão alvo de futuras narrativas, um verdadeiro séquito de clientes diuturnos, a quem os meninos da época classificavam como “os bebos de Floriano”. Logo pela manhã, iam chegando um a um, como fieis seguidores de uma religião ou mesmo abelhas inebriadas pelo aroma do néctar presente naquela taverna. Pediam uma “caninha” e iam se acomodando nos caixotes de bebidas que serviam de bancos, até que o elenco estivesse completo.