E assim
nasceu a sociedade mais inofensiva desse mundo. Os seus membros eram limitados,
escolhidos e selecionados, prudentemente, mediante a consulta prévia e não
podia pertencer a ele quem se preocupasse com a vida alheia. Estabeleceu-se que
o Clube não teria estatutos nem suas reuniões obedeciam a pauta ou a qualquer
norma formal. Nada de anotação. Quem tivesse memória que não o esquecesse. Um
aprendizado acroamático ou epóptico à maneira dos discípulos de Aristóteles.
Tudo se
fazia para evitar regras. Nada de direito escrito. Bastavam os bons costumes.
Por essa razão, o Clube não tinha ata. Quem nele ingressava era INOCENTE
ENQUANTO BEM SERVISSE. Quem seguisse fielmente a filosofia de ser “inocente das
maldades alheias” seria inocente vitalício, somente substituído pela morte. E
onde se reunissem dois ou três em seu nome, ai estava reunido todo o Clube.
Exigia-se apenas que se reservasse uma taça vazia e nela cada um dos
participantes derramasse, até enchê-la, goles de cerveja pelos ausentes. Os
cargos eram intransferíveis e irrenunciáveis. Assim, pois a primeira diretoria
eleita em 1954 é ainda a de hoje, mesmo com toda a dispersão, e ficou constituída
desse modo:
_ Luís da
Câmara Cascudo – Presidente de honra
_ Renato
Gouveia – Presidente perpétuo (enquanto bem servir)
_ João
Medeiros Filho – consultor Jurídico
_ Djalma
Santos – Tesoureiro
_ Milton
Cavalcanti – Chefe do cerimonial
_ Reginaldo
Rocha de Medeiros – Introdutor diplomático
_ José
Saturnino – Conselheiro-mor
_ Raimundo
Feliciano das Graças – Diretor espiritual
_ Gorgônio
Regalado Medeiros – Orador
_ José
Melquíades de Macêdo – Relações públicas
Com o tempo
foram ainda “iniciados nos inocentes mistérios”: Severino Nunes, Arnaldo
Arsênio de Azevedo, Ascendino Henriques de Almeida Jr., Eulício Lacerda,
Diógenes da Cunha Lima, José Leiros e o americano Frank Walton. Esse Clube se
reunia informalmente, ora no bar, ora no lar, em casa de um ou de outro. Todos
se cotizavam proporcionalmente e ninguém sobrecarregava ou sacrificava ninguém.
As reuniões mais frequentes ocorriam às sextas-feiras, à noite, algumas vezes
na casa de Renato, outras, na casa de Cascudo.
Inocentes
das maldades alheias, segundo o princípio fundamental do sodalício. As bases do
humanismo prevaleciam sobre os mais esclarecidos e esses se preocupavam em
associá-lo ao conselho de Sêneca que assim expressa: nemo referre gratiam scit,
nisi sapiens – só o discreto sabe agradeo beneficio. Daí se partia para a
advertência de um grande frade alemão feita pilhericamente à sua congregação:
bibite, frates, ne diabolus vos attiosos inveniat – bebei, irmão, para que o
diabo não vos surpreenda na ociosidade. Essas duas máximas associaram-se à
recomendação de Marco Aurélio, nas Meditações,- viver cada minuto da vida como
se fosse o último - e assim alicerçou-se a doutrina de nossa inocência dividida
entre o estoicismo contemplativo e o cristianismo evangélico. Era o tridiadismo
dos tresnoitados.
Fonte: Saturnino, Cascudo e o Clube dos Inocentes, de José Melquíades - 1ª edição - Porto Alegre/RS - 1992.
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