segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Professor Saturnino e o Clube dos Inocentes (V)- continuação

E assim nasceu a sociedade mais inofensiva desse mundo. Os seus membros eram limitados, escolhidos e selecionados, prudentemente, mediante a consulta prévia e não podia pertencer a ele quem se preocupasse com a vida alheia. Estabeleceu-se que o Clube não teria estatutos nem suas reuniões obedeciam a pauta ou a qualquer norma formal. Nada de anotação. Quem tivesse memória que não o esquecesse. Um aprendizado acroamático ou epóptico à maneira dos discípulos de Aristóteles.
Tudo se fazia para evitar regras. Nada de direito escrito. Bastavam os bons costumes. Por essa razão, o Clube não tinha ata. Quem nele ingressava era INOCENTE ENQUANTO BEM SERVISSE. Quem seguisse fielmente a filosofia de ser “inocente das maldades alheias” seria inocente vitalício, somente substituído pela morte. E onde se reunissem dois ou três em seu nome, ai estava reunido todo o Clube. Exigia-se apenas que se reservasse uma taça vazia e nela cada um dos participantes derramasse, até enchê-la, goles de cerveja pelos ausentes. Os cargos eram intransferíveis e irrenunciáveis. Assim, pois a primeira diretoria eleita em 1954 é ainda a de hoje, mesmo com toda a dispersão, e ficou constituída desse modo:
_ Luís da Câmara Cascudo – Presidente de honra
_ Renato Gouveia – Presidente perpétuo (enquanto bem servir)
_ João Medeiros Filho – consultor Jurídico
_ Djalma Santos – Tesoureiro
_ Milton Cavalcanti – Chefe do cerimonial
_ Reginaldo Rocha de Medeiros – Introdutor diplomático
_ José Saturnino – Conselheiro-mor
_ Raimundo Feliciano das Graças – Diretor espiritual
_ Gorgônio Regalado Medeiros – Orador
_ José Melquíades de Macêdo – Relações públicas
Com o tempo foram ainda “iniciados nos inocentes mistérios”: Severino Nunes, Arnaldo Arsênio de Azevedo, Ascendino Henriques de Almeida Jr., Eulício Lacerda, Diógenes da Cunha Lima, José Leiros e o americano Frank Walton. Esse Clube se reunia informalmente, ora no bar, ora no lar, em casa de um ou de outro. Todos se cotizavam proporcionalmente e ninguém sobrecarregava ou sacrificava ninguém. As reuniões mais frequentes ocorriam às sextas-feiras, à noite, algumas vezes na casa de Renato, outras, na casa de Cascudo.

Inocentes das maldades alheias, segundo o princípio fundamental do sodalício. As bases do humanismo prevaleciam sobre os mais esclarecidos e esses se preocupavam em associá-lo ao conselho de Sêneca que assim expressa: nemo referre gratiam scit, nisi sapiens – só o discreto sabe agradeo beneficio. Daí se partia para a advertência de um grande frade alemão feita pilhericamente à sua congregação: bibite, frates, ne diabolus vos attiosos inveniat – bebei, irmão, para que o diabo não vos surpreenda na ociosidade. Essas duas máximas associaram-se à recomendação de Marco Aurélio, nas Meditações,- viver cada minuto da vida como se fosse o último - e assim alicerçou-se a doutrina de nossa inocência dividida entre o estoicismo contemplativo e o cristianismo evangélico. Era o tridiadismo dos tresnoitados.
Fonte: Saturnino, Cascudo e o Clube dos Inocentes, de José Melquíades - 1ª edição - Porto Alegre/RS - 1992.

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