quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
CARTAS DE COTOVELO 2014 (6)
Estou desconfiando que já vivi demais, pois todos os livros de reminiscências que tenho lido nos últimos tempos, me encontro na história ou na paisagem.
A coincidência mais recente ocorreu com a pequena obra ‘Confraria de Floriano’, que recebi de presente de um dos seus integrantes, o amigo e escritor Ormuz Barbalho Simonetti.
O livro apresenta registros emocionais e emocionados de alguns dos meninos protagonistas dos acontecimentos marcantes dos anos 60 e 70, numa velha bodega na esquina das Ruas Princesa Isabel e Apodi nº 160, de propriedade de Floriano (Jordão de Andrade), de tradicional família macaibense, onde foi fundada a Confraria de adolescentes, compartilhando com o Mercadinho de Pedro David, no outro lado da rua.
As narrativas evocam os anos dourados em Natal, um verdadeiro ‘tempo dos pardais no verde dos quintais’, onde o medo se chamou ‘jamais’.
Não participei dessa Confraria, mas de outra que se reunia na Rua Ceará Mirim, no Baldo, mas a bodega era também eventual pouso de nossa turma quando se dirigia para a diversão nos mesmos lugares rememorados dos cinemas Rex, Rio Grande e Nordeste, com algumas incursões no Poti e certamente nos filmes de faroeste e seriados(Legião do Zorro, O Homem Fioguete, Flaxh Gordon, Tarzan, Rock Lane, Roy Rogers, Gene Autry, Cavaleiro Negro) dos cinemas São Luiz e São Pedro, estes no Alecrim, tendo por transporte o velho ‘bonde’, de saudosa memória. Ainda tenho guardada uma substancial coleção de revistas em quadrinhos daquele tempo, iniciada desde 1948 em Macaíba e adquiri praticamente todas as séries em cópias reproduzidas em DVD,s.
Lembro-me bem que comprávamos cigarros, que eram acesos em uma lamparina permanente acesa, escondida em um pequeno caixote de madeira, com um orifício na parte superior e lá éramos abastecidos com uma guaraná ou, às vezes, algo mais ‘substancioso’ para nossas folias.
Recordo dos polis fabricados em casa, dos lanches no ‘Dia e Noite, Espaguetilândia, Caldo de Cana Orós, dos porres de lança perfume, da cuba libre, da vodka com laranjada, do cuscuz da Mata, naqueles taboleiros de metal com duas tampas e da correria dos vendedores para atrair clientes, do verdureiro trazendo os seus produtos nos ombros (caçoás), do pão vendido em cestos por Seu Pedro do pão, no lombo de animais, a velha da carimã, pirulito, cocada, rolete de cana, cavaco chinês(está de volta), dos velhos carnavais das ‘bagunças’ e dos bailes na Assen, Aéro, América e ABC. Não conheci o ‘Coice de Mula’, mas lembro dos ‘Tora da linha’.
As peladas tinham o mesmo ardor, em quintais diferentes no Barro Vermelho ou na própria rua Ceará Mirim, como igualmente a escolha das nossas musas.
Porém aquela vida pacífica e alegre era comum, algumas vezes perigosa, nos banhos proibidos do poço do dentão ou dos jogos nas lojas de bilhar da Ribeira, com portas fechadas por conta do juizado de menores.
É claro que havia alguma variação nas preferências, mas a atmosfera era a mesma. Até as alcunhas ou apelidos se pareciam – Zezé, Cacá, Gordo, Magro, China, Bob, Xuba, Lula, Baiá, Bel, Baíto, os Pelados, Dôta, Beto, Gasolina, Gás óleo, Chico. Tivemos as nossas perdas pranteadas, mas nenhuma em decorrência das torturas de um regime de força. Quando muito tivemos vizinhos que responderam processos nos idos de 1964, como Renê, Juarez, Romeiro.
Posso até ter notado aquela molecada em suas reuniões, mas lhes dei atenção, pois já estava num patamar de idade, pelo menos, em dez anos à frente, onde as diversões eram mais variadas ‘e o buraco era mais embaixo’.
Recordar é viver, diz um velho ditado; recordar é sofrer, as sombras do passado; de sonho que viveu em nossos corações ou de um amor que morreu deixando uma cruel paixão. Crer num sonho de ilusão, ver na imaginação ... Basta, a garganta já está embargada!
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
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