terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Azulão, o bar de Dequinha.

Lembrando o bar Azulão do meu tempo – Jahyr Navarro

Existe um bar na avenida Afonso Pena, situado nas proximidades da Casa de Saúde São Lucas e do hospital Natal…

Existe um bar na avenida Afonso Pena, situado nas proximidades da Casa de Saúde São Lucas e do hospital Natal Center, já bem posicionado para em caso de uma emergência, encaminhar – sem ambulância – seus fregueses necessitados aos serviços médicos especializados. É o que se pensa ou que se presume, em se tratando de um bar cuja principal mercadoria é a bebida alcoólica.
Ledo engano. Nesse caso – que julgo ser uma exceção – a ingestão alcoólica é secundada e muito pela discussão em torno da política e do futebol. Lógico, que há sempre por perto a presença de um copo com um bom vinho ou whisky, “ouvindo a conversa”. Contudo, pode passar horas a fio sem ser utilizado, ou até mesmo esquecido, quando suplantado pelos gritos ensurdecedores que antecedem as apostas.
Esse bar, conhecido como o “Azulão”, de propriedade do sr. José do Patrocínio Amorim, carinhosamente apelidado de “Dequinha”, que é irmão de João Nobre do Amorim – já falecido – e que foi seu sócio no bar de esquina com a rua Apodi. Tinha este, uma pintura horrível, de um azul agressivo e devido a esse descompasso com o bom gosto, recebeu o nome de Azulão, pelo qual ficou conhecido e que se perpetua até hoje no novo bar que ora estamos a descrever.
Desfeita a sociedade, cada um tomou seu rumo. Joãozinho escolheu outra atividade e Dequinha continuou no ramo, inaugurando o novo bar na parte posterior do mesmo prédio com vistas à avenida Afonso Pena. Deu nova feição, nova roupagem e preencheu as lacunas existentes no anterior. Entre tantas, a música ao vivo, com cantores amadores de sua própria freguesia e com o magistral acompanhamento dos violonistas Franklin e Raimundo Flor. Até Fagner já se apresentou para essa plateia amante da música popular. O tira-gosto de boa culinária domestica, é iniciado com uma paçoca de feijão verde e seguido por outros na escolha do gosto de cada um. Na parte que corresponde aos fundos, existe um pequeno recinto onde frequenta um diminuto grupo no horário noturno, conhecido como “Espaço da amizade tio Ney”. Uma alusão ao dr. Ney Marinho, uma grande figura humana que nos deixou muito antes do esperado, impondo nos corações dos seus verdadeiros amigos, uma saudade imorredoura. A nossa conformação com esta perda, é que “Deus não prefere os escolhidos, Ele escolhe os preferidos.”
No seu interior frequentam vários grupos diferentes em diferentes horários, caracterizando uma rotatividade bem superior à sua capacidade de atendimento. Possui uma freguesia eclética e tranquila, composta por dentistas, advogados, engenheiros, economistas, comerciantes, bancários, juízes, padres, jornalistas, hoteleiros, políticos, médicos e demais componentes de nossa sociedade. Em suma, a sinfonia que toca é a mesma em todos os bares desse gênero: roedeiras, negócios realizados ou desfeitos, casamentos acabados ou recomeçados, futebol, política, prisão dos mensaleiros, etc.
Em qualquer mesa se escuta sempre uma historia engraçada acontecida dentro do próprio bar. Muitas beirando a absurdidade. Algumas, dignas de serem ouvidas, outras, indignas de serem mencionadas. Nesse intermezzo, apela-se para o anedotário dissipando assim o constrangimento ocasional que sempre acontece.
Certo dia, uma senhora ao passar por sua frente, tomou um grande susto ao avistar um conhecido que há muito procurava – um tabelião aposentado – que estava bebericando uma cerveja. Refeita do susto, disse para o marido: – “Pia Pedro, veja quem está ali” e continuou: – “seu fulano, faz tempo que estamos à sua procura, pois estou me aposentando e a certidão de meu casamento está errada. O sr. casou-me com meu sogro.” Num impulso de autodefesa, o tabelião respondeu: – “Minha amiga, não se preocupe que o juiz resolverá tudo. O que houve foi que a senhora levou-me para fazer esse casamento em sua fazenda e lá, entregou-me uma galinha bem torradinha e um litro de whisky. Só podia dar no que deu…”
Deve acontecer o mesmo ou algo parecido em outros bares desse mesmo padrão. Entretanto, quando se conhece os personagens o quadro adquire um novo formato, pelo jogo fisionômico, os gestos, as peculiaridades e a graça de sua encenação. O “habituè” se torna conhecido pelo dono por sua bebida predileta, o assunto que costuma discutir, sua cor partidária, seu time de futebol e a gradativa transformação fisionômica que ocorre pela ingestão da bebida consumida. São esses dados que formam o conceito de cada freguês, despertando uma grande alegria por alguns que chegam, em contraste com uma imensa apreensão por outros que demoram em sair.
Há ocasiões, em que o bar se reveste de uma aura positiva que o torna acolhedor, coberto pelo manto de uma quietude convidativa. Em outras, o negativismo impera e o ambiente fica sombreado pelo clima morno da indefinição.
É por esse prisma que vejo o Azulão de hoje. Não com sua cor característica, muito menos pelas circunstâncias negativas que também acontecem em todos os bares. Mas, pelas cores que gostaria de pintá-lo e com elas, procurar alegrar o ambiente e o circulo de amizade que construí ao longo do tempo, renovando assim, o espírito boêmio que há muito me acompanha.

(jahyrnavarro@gmail.com)

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