A boemia dos bons tempos
Publicação: 06 de Junho de 2012 às 00:00
Fonte:
Tribuna do Norte.
Ticiano Duarte - jornalista
As leituras e pesquisas que costumo fazer, por uma incontrolada fascinação, levam-me a descobrir coisas maravilhosas ao meu gosto boêmio, de figuras do rol de minha admiração e simpatia.
Quantas vezes discordei de alguns pensamentos políticos e ideológicos de Carlos Lacerda, sem perder o respeito à sua inteligência, o talento de jornalista, orador, polemista, parlamentar e homem de oposição. E de fazer justiça ao seu governo competente e empreendedor, no antigo estado da Guanabara.
O escritor Pedro Paulo Filho, em seu "Notáveis bacharéis na vida boêmia", traz revelações sobre alguns nomes ilustres da área do direito e da justiça deste país, de suas intimidades e preferências, do bom gosto pela música, pelo bom uísque e pelos vinhos envelhecidos da Europa. E fala do período que Carlos Lacerda, estudante de direito, atuava como rábula criminal, no júri popular ao lado do grande Evandro Lins e Silva. Lacerda não concluiu o curso de direito, mas dizia que gostava dos advogados, sobretudo dos que resolvem, não dos que criam dificuldades. E exemplificou: "Houve homem mais necessário ao Brasil do que o incômodo e admirável Sobral Pinto?".
Outro desabafo genial de Lacerda, ao justificar-se de não ter terminado o curso, ficando no segundo ano de direito: "Preferi ser advogado de todos - até dos que, tantas vezes me condenam. Mas tenho muito respeito pelo jurista que se incumbe de pôr ordem na liberdade, sempre que não a sufoque em nome da ordem".
Pedro Paulo Filho cita Luiz Martins, o grande cronista da boemia carioca, nos tempos de glória da velha Lapa, que agora renasceu no Rio, voltando ao seu esplendor antigo, da época do "Túnel da Lapa", do "Danúbio Azul", nos anos de 35/36.
Lacerda era habitué dos cabarés mais freqüentados, sempre na companhia do cronista Rubem Braga. Outro seu companheiro foi Moacyr Wernech de Castro, com quem iria se desentender depois, a política os separando para sempre.
O livro fala na agitação das boates e cabarés, "barulho dos tangos e sambas... Trechos de óperas, canções húngaras, violinos ciganos, barqueiros do Volga, valsas de Brahms, serenatas de Schubert e Toselli...".
Quando a Lapa começou a decair, logo após a guerra, invadida por gigolôs, prostitutas baratas e desordeiros, as reuniões literárias e boêmias passaram para o "Vermelhinho", se não me engano nas imediações da Cinelândia, e no Alcazar, à noite, em Copacabana.
Mário de Andrade, deixando São Paulo, reunia seu grupo, do qual fazia parte também Lacerda, na famosa "Taberna da Glória" e a turma do Alcazar era formada por Carlos Lacerda, Rubem Braga, Vinícius de Morais, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Dorival Caymmi.
Outros dois grandes freqüentadores da Lapa foram o jornalista e escritor Raimundo Magalhães Júnior e a figura doce do grande jornalista Odylo Costa Filho, maranhense da melhor estirpe, grande companheiro e amigo de Aluízio Alves.
Carlos Lacerda foi militante da boemia, nos tempos de estudante, jornalista, na sua mocidade trepidante, na esquerda, depois brigando e rompendo com o "partidão", separando-se dos amigos do jornalismo, como Samuel Wainer, que o tinha levado para a revista "Diretrizes". E foi o próprio Wainer que o apelidou de "Corvo", no episódio da morte do jornalista Nestor Moreira, quando Lacerda denunciou a polícia que o torturou e chegou ao velório "ostentando cenho serrado, olhos de tristeza e vestido de preto". Segundo Samuel Wainer, "ele jamais viu Nestor Moreira em toda sua vida".
A Lapa que visitei em minhas andanças boêmias, nos final dos anos 50. Ali rememorando o esplendor do passado, os cenários luxuosos, os palcos, as gambiarras, a figura de Orestes Barbosa, o grande compositor e poeta, no "Café Nice" e no "Chave de Ouro", arrodeado de sambistas, parecendo um rei, falando sobre Augusto Comte, Oscar Wilde, para encantamento dos circunstantes.
Lúcio Rangel rememora o compositor, escrevendo versos na ponta da mesa, que a cidade inteira anos depois iria cantar "... cansei de esperar por ela toda noite na janela" ou o clássico de todos os tempos - "a porta do barraco era sem trinco e a lua furando o nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão... tu pisavas nos astros distraída... sem saber que a ventura desta vida é o luar, a cabrocha e o violão..."
Ticiano Duarte - jornalista
As leituras e pesquisas que costumo fazer, por uma incontrolada fascinação, levam-me a descobrir coisas maravilhosas ao meu gosto boêmio, de figuras do rol de minha admiração e simpatia.
Quantas vezes discordei de alguns pensamentos políticos e ideológicos de Carlos Lacerda, sem perder o respeito à sua inteligência, o talento de jornalista, orador, polemista, parlamentar e homem de oposição. E de fazer justiça ao seu governo competente e empreendedor, no antigo estado da Guanabara.
O escritor Pedro Paulo Filho, em seu "Notáveis bacharéis na vida boêmia", traz revelações sobre alguns nomes ilustres da área do direito e da justiça deste país, de suas intimidades e preferências, do bom gosto pela música, pelo bom uísque e pelos vinhos envelhecidos da Europa. E fala do período que Carlos Lacerda, estudante de direito, atuava como rábula criminal, no júri popular ao lado do grande Evandro Lins e Silva. Lacerda não concluiu o curso de direito, mas dizia que gostava dos advogados, sobretudo dos que resolvem, não dos que criam dificuldades. E exemplificou: "Houve homem mais necessário ao Brasil do que o incômodo e admirável Sobral Pinto?".
Outro desabafo genial de Lacerda, ao justificar-se de não ter terminado o curso, ficando no segundo ano de direito: "Preferi ser advogado de todos - até dos que, tantas vezes me condenam. Mas tenho muito respeito pelo jurista que se incumbe de pôr ordem na liberdade, sempre que não a sufoque em nome da ordem".
Pedro Paulo Filho cita Luiz Martins, o grande cronista da boemia carioca, nos tempos de glória da velha Lapa, que agora renasceu no Rio, voltando ao seu esplendor antigo, da época do "Túnel da Lapa", do "Danúbio Azul", nos anos de 35/36.
Lacerda era habitué dos cabarés mais freqüentados, sempre na companhia do cronista Rubem Braga. Outro seu companheiro foi Moacyr Wernech de Castro, com quem iria se desentender depois, a política os separando para sempre.
O livro fala na agitação das boates e cabarés, "barulho dos tangos e sambas... Trechos de óperas, canções húngaras, violinos ciganos, barqueiros do Volga, valsas de Brahms, serenatas de Schubert e Toselli...".
Quando a Lapa começou a decair, logo após a guerra, invadida por gigolôs, prostitutas baratas e desordeiros, as reuniões literárias e boêmias passaram para o "Vermelhinho", se não me engano nas imediações da Cinelândia, e no Alcazar, à noite, em Copacabana.
Mário de Andrade, deixando São Paulo, reunia seu grupo, do qual fazia parte também Lacerda, na famosa "Taberna da Glória" e a turma do Alcazar era formada por Carlos Lacerda, Rubem Braga, Vinícius de Morais, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Dorival Caymmi.
Outros dois grandes freqüentadores da Lapa foram o jornalista e escritor Raimundo Magalhães Júnior e a figura doce do grande jornalista Odylo Costa Filho, maranhense da melhor estirpe, grande companheiro e amigo de Aluízio Alves.
Carlos Lacerda foi militante da boemia, nos tempos de estudante, jornalista, na sua mocidade trepidante, na esquerda, depois brigando e rompendo com o "partidão", separando-se dos amigos do jornalismo, como Samuel Wainer, que o tinha levado para a revista "Diretrizes". E foi o próprio Wainer que o apelidou de "Corvo", no episódio da morte do jornalista Nestor Moreira, quando Lacerda denunciou a polícia que o torturou e chegou ao velório "ostentando cenho serrado, olhos de tristeza e vestido de preto". Segundo Samuel Wainer, "ele jamais viu Nestor Moreira em toda sua vida".
A Lapa que visitei em minhas andanças boêmias, nos final dos anos 50. Ali rememorando o esplendor do passado, os cenários luxuosos, os palcos, as gambiarras, a figura de Orestes Barbosa, o grande compositor e poeta, no "Café Nice" e no "Chave de Ouro", arrodeado de sambistas, parecendo um rei, falando sobre Augusto Comte, Oscar Wilde, para encantamento dos circunstantes.
Lúcio Rangel rememora o compositor, escrevendo versos na ponta da mesa, que a cidade inteira anos depois iria cantar "... cansei de esperar por ela toda noite na janela" ou o clássico de todos os tempos - "a porta do barraco era sem trinco e a lua furando o nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão... tu pisavas nos astros distraída... sem saber que a ventura desta vida é o luar, a cabrocha e o violão..."
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