quinta-feira, 30 de março de 2017

Antonio Severino Filho, paraibano de nascimento e potiguar por adoção, recentemente falecido em Natal, aos 68 anos, foi enfocado na reportagem abaixo, publicada em agosto de 2011, no blog cnadelariaeasuarealidade.blogspot.com

Um pouco do "Triângulo das Fofocas' , digo "Triângulo dos Bares".

César Cabral, Cunha, "brigadeiro do ar" de Candelária e Manoel Neco e a sua cabeleira "avant garde". Foto de João Barbosa, o homem que bate fotos de costas em cima de motocicletas a 140 Kms/hora.



Candelária  tem  boêmios
 que gostam de poesia.
Luiz Gonzaga Cortez

No bairro de Candelária, zona sul de Natal, há dezenas de bares e botecos, lanchonetes e mercearias para todos os gostos e preferências dos seus moradores. Intensa vida noturna. Diversos boêmios e tipos folclóricos gravitam e/ou curtem o conjunto construído em 1975. Há bares que funcionam em antigas casas, perto de pracinhas e fundos de quintais, outros localizam-se na principal avenida da capital, a Prudente de Morais, que fecham as portas quando se retira o último freguês. Existem bares apropriados para uma conversa amena, troca de idéias e realização de negócios, assim como há locais onde o barulho impera por causa das possantes caixas de som que poluem o ambiente.
O bar da zoada, como é mais conhecido um dos locais mais populares entre os apreciadores de cervejas e cachaças, tem barulho, mas se conversa numa boa. A zoada é proveniente da gritaria peculiar a alguns boêmios seridoenses. Fica no chamado “triângulo das bermudas”, numa área que compreende a Avenida da Integração, Prudente de Morais e ruas Raposo Câmara e Cruz e Souza. Há outros “triângulos” etílicos no bairro, mas o Bar de Nequinho é conhecido pelos “altos decibéis” do vozerio dos caicoenses que baixam ali. No “triângulo das bermudas” estão o Bar de Nequinho, de “seo” Chico, de Niel (Bar São Tomé), Bar da Tesoura, Bar de Lopes, Bar da Saideira, da expulsadeira, do violão e outros mais, além dos churrasquinhos. Como em quase todos os bares, ali também tem mentirosos e boateiros, fofoqueiros contumazes.  Mas tem figuras meio excêntricas, como o capitão de longo curso conhecido Sr. Guedes. Mas não é que o homem gostaria de ser um ”vampiro”, dormir em cemitérios! Mas isso é outra história.
Como qualquer bar brasileiro, as conversas giram sobre todos os assuntos e problemas possíveis e imaginários, os temas abordados podem mudar em questão de segundos e as fofocas sobre a vida alheia, política e futebol dominam as preferências. Não escapa ninguém. Os boateiros inveterados gostam de falar de quem está grávida (sem estar), de quem está fumando maconha ou traficando (sem procedências), de quem faliu, dos cornos, dos papudinhos em geral e dos que estão devendo nos bares. Assim como começa, essas conversas terminam sem nenhuma conclusão, sem brigas. Tudo numa boa, às vezes.
O conhecido bar do barulho cordial, o de Nequinho, se fala alto os principais temas do noticiário do dia. Quem está fora do fuzuê verbal, à primeira vista, pensa que o pau vai baixar, mas o dono, Nequinho, fica olhando e rindo. “È assim mesmo, já estou acostumado”, costuma dizer.
Não podemos esquecer dos cordelistas, poetas e contadores de histórias de vários matizes. Antonio Morais da Silva, quase nonagenário, natural de Caicó, freqüenta o Bar da Tesoura (nome já diz tudo) e Antonio Severino Filho, paraibano, baixa no Bar de Chiquinho. O contador de histórias fantásticas Hermany Dantas, Toinho das Bolsas e Cadinha são figuras do pedaço. Cadinha, vixe Maria, também merece uma crônica. Depois eu conto. E a “Besta Fera”? Essa é a carinhosa alcunha de Zimar Martins Paiva, formado em aquacultura pela nossa UFRN, capaz de discorrer sobre todas as espécimes marinhas e a vida no sertão do Oeste potiguar. Já foi mordido por um jumento que quase arrancava um braço.
Antonio Severino quando está inspirado, sai do trivial. Indagado sobre quem era, ele respondeu: “Sou uma pessoa que adora uma caninha/para saciar os meus desejos/ seja Pitu, Carangueja/Cinqüenta e Um ou Rocinha/Começo de manhãzinha/vou até ao entardecer/bebendo para esquecer/sem nenhuma alacridade/durmo e sonho com a eternidade/mas sem pensar em morrer”. “Muito bem, poeta! Tome cinco”, grita um parceiro de birita. Um detalhe: Antonio repete muito, nos seus versos improvisados, o nome do planeta Saturno.
No bar da Tesoura, a clientela é da 3ª idade, mas se joga baralho, se ouve Hortêncio Nóbrega cantar e tocar violão. Os caicoenses gostam muito de futebol. Antonio Morais da Silva fez uma trova envolvendo um jogo entre o Caicó Esporte Clube e o Atlético Clube Corinthians, intitulada A Raposa e o Galo. O mote: A raposa comeu o galo sem tirar nenhuma pena. Glosa: Pegamos pelo gargalo/em pleno Avelinão/ sem dó e sem compaixão/ a raposa comeu o galo./Aproveitando o embalo/naquela tarde serena/com tranqüilidade plena/já no começo do ano/o galo entrou pelo cano/sem tirar nenhuma pena”.
Candelária tem outros versejadores, como Sr. Massena, Bonifácio Soares (está no “estaleiro”, isto é, em tratamento de saúde), José Saldanha (recentemente falecido), André Batista, José Rego e Manuel Azevedo Bezerra, vulgo Mané da Retreta, autor do “Cordel da Cachaça”, um misto de professor, músico e poeta, natural de Santana do Matos/RN.
Luiz Gonzaga Cortez é jornalista e pesquisador.

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