terça-feira, 24 de novembro de 2015

Os Gatos Pretos.

A+A-
WODEN MADRUGA [woden@terra.com.br]
Tribuna do Norte - 22.11.2015 - P.2
Numa nova rebuscada pela gaveta dos papéis desarrumados, logo no primeiro lanço, dou com a mão em um bilhete de Celso Silveira, poeta, jornalista, cronista, ator de teatro – grande ator dos tempos de Sandoval Wanderley e Meira Pires, premiadíssimo por estes palcos nordestinos -, companheiro de farras e de redações de jornais. Proseador como poucos, as conversas atravessando as madrugadas, com seu humor contagiante, espalhafatoso. O bilhete é datado de 11 de agosto de 1992, escrito na cabeça de uma lauda onde está reproduzido (datilografado) um texto que Celso Silveira publicou no Jornal de Natal (o jornal de Djalma Maranhão) em 17 de novembro de 1956, com o título de “Os Gatos Pretos”. Fez agora, terça-feira passada, 59 anos. Este batedor de notícias andava pelos 20 anos de idade e  já metido em jornal.

O bilhete de Celso está escrito assim: “Woden: Em 1956 surgiu essa confraria. Agora, com a mudança da Confeitaria Ateneu e o livro de Melquíades, lembrei de reinventar esse marco de uma boemia despreocupada e sadia, diria, espiritual. Dela há imortais figuras que já não andam pelas ruas de Natal, mas existem no ar e dentro de nós. Abraços do Celso Silveira, Natal 11.08.92”. 

Segue na íntegra da história desses “gatos pretos” contada pelo querido e saudoso Celso Silveira:

“Uma turma de boêmios desta ridente cidade dos Santos Reis acaba de fundar uma nova agremiação, das mais curiosas de que se tem na província. Trata-se dos “Gatos Pretos” (sem campo de neve), que é um composto de rapazes que fazem poesia, jornalismo e boêmia em Natal.
A ideia de fundar os “Gatos Pretos partiu, como é evidente, de um grupo de amigos reunidos na Confeitaria Ateneu em redor de algumas mesas nas quais se serviam de aperitivos. O poeta Newton Navarro reclamava com os presentes a necessidade de um ponto de reunião quinzenal, onde, num ambiente de camaradagem sadia e discrição, se pudesse ingerir aperitivos sem os incômodos da presença de circunstantes que, muitas vezes interpretam mal as exteriorizações da mocidade. Daí para a fundação dos “Gatos Pretos” foi um “pulo de banda”.

Surgiram as sugestões de nome desse novo agremiado: “Galos-de-Campina” e “Pintassilgos”. Na última hora, depois da escolha vacilar entre os dois nomes acima, alguém lembrou de Erico Veríssimo e gritou: “Gato Preto! ” Imediatamente foram aparecendo, apontados por um e outro, particularidades da vida calorosa dos gatos. Desfilaram os nomes de ‘Gato Félix’ e de ‘Gato de Botas’, dois gatos famosos das telas e das revistas infantis e o nome foi aprovado por aclamação geral. Estava fundada “Os Gatos Pretos”.

A conversa agora era generalizada sobre a vida dos nossos irmãos felinos. Alguém propôs que os presentes fossem considerados, fundadores, “gatos” propriamente (eram sete) e mais seis fossem escolhidos entre os amigos ausentes, para completarem o número de treze, que é o número aziago. Esses seriam considerados “bichanos”. Também ficou acertado que as reuniões seriam realizadas nos dias treze de cada mês e que os membros deveriam ostentar nomes de gatos. Partindo daí, tratou aquele grupo de amigos de batizar-se. Moacyr de Góes, escolheu para si a alcunha de “Gato de Botas”; Newton Navarro ficou com a de “Gato Félix”; Serquiz Farkatt ficaria conhecido por “Gato Persa”; Chagas Oliveira por “Gato Tira”; Expedito Silva por “Gato Rajado”; Jurandir Thain por “Gatinho” e Celso Silveira por “Gato Mourisco”.
Os membros bichanos foram escolhidos pelos presentes, cada “gato” apadrinhando um deles (exceto o “Gato Mourisco”) e seu quadro ficou constituído por Paulo Oliveira (Mimi); Berilo Wanderley (Angorá); Omar Pimenta (Escaldado); Márcio Marinho (Almofada); Hélio Vasconcelos (Cego) e Albimar Marinho (Molhado).

Do Regimento ainda constou que os “gatos” e “bichanos” responderiam à chamada dos presentes com um miado. Aplausos seriam feitos pelo psi... psi... psi... com que as pessoas chamam os gatos domésticos; antes de cada reunião haveria um miado coletivo. A divisa dos “gatos” seria “À noite todos os gatos são pardos”; e o hino da agremiação ficaria sendo a música “aquele gato não é mais gato, hoje é tamborim” e os homenageados do mês receberiam a denominação de “couros de gato”.

Cada homenageado (couro de gato que será espichado na conta do que se consumir de aperitivo e tira-gosto durante a reunião será condecorado com a “Gran Cauda do Camundongo Mickey”.
Os membros “gatos” ou “bichanos” desta original e curiosa agremiação usarão camisas pretas durante as reuniões e um escudo branco com a efigie de um gato preto.

Domingo próximo, por volta das onze horas, na Praia do Forte, terão lugar o batismo e a crisma dos “bichanos” e “gatos” com água salgada, sendo padrinho desse ato o sr. Agenor Lima, especialmente convidado pelo “Gato Félix”, constando que aquele cidadão teria aceitado o honroso convite.

Os felinos, cujas garras pomo à mostra nesta reportagem, evitando que eles deem uma unhada e escondam a unha, constituem-se a agremiação mais original de que temos conhecimento desde que pontificamos em jornal e, pelo descrito linhas acima, estão fadados a superar, em graça e humor, os inumeráveis clubes existentes em Natal, com nomes de quitutes e aves”.

De Moacyr de Góes
Noutro envelope, entre cartões postais, encontro um bilhete de Moacyr de Góes, um dos criadores, ao lado de Djalma Maranhão, do projeto “De pé no chão se aprende a ler”. Postado no Rio de Janeiro e datado de 7 de janeiro de 1992:

“Meu caro WM:
Aí vai para você o livro de Clara.
Também um artigo meu. Como este trata da “terrinha”, se a Tribuna do Norte quiser transcrever aqui fica a minha autorização.
Como vão as coisas? Dificilmente poderemos responder que vão bem – não é? Mas, a esperança ainda não morreu. Um abraço com votos de feliz 92. 
Moacyr de Góes” 

Nenhum comentário:

Postar um comentário